CORREIA MARQUES, UM JORNALISTA E MUITAS VOZES "Gosto de jornalismo, (...) – uma profissão cheia de imprevisto, de gimnástica mental, e, sobretudo, porque nele encontrei uma forma nobre e eficiente de servir as minhas ideias. Eu sou um homem para quem não há posições neutras nem indiferentes. Sou um homem de opinião. O jornalismo permite-me servi-la. Por isso gosto da minha profissão." (Pedro Correia Marques em entrevista Mundo Gráfico, “Gosta da sua profissão?”,15/04/1941, p. 18)
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
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- Redacção e Administração:Rua do Salitre 155, 2º
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- Preço: Um Escudo
C U R S O D E J O R N A L I S M O
A MANEIRA DE INTRODUÇÃO
Peço aos leitores que não se assustem!
Esta secção chama-se o “Curso de Jornalismo”, não para ensinar como se faz um jornal, coisa simplíssima, se há-de fazer-se apenas para explorar uma indústria, e complexíssima, se se pretende exercer uma acção social e doutrinária.
- Sendo assim, porque se chama «Curso»?
Tem razão o leitor que dispara a pergunta. Responda-se sumariamente:
- Chama-se a esta secção «Curso», apegando-se o seu autor no sentido que Marco Túlio Cícero dava à palavra: tenere cursum – seguir uma carreira.
Costuma dizer-se que «o poeta nasce, o orador faz-se». Esta sabedoria paremiológica exprime uma verdade no consenso unânime de toda a gente admitida. Do jornalista se pode dizer que nasce e faz-se. Requerem-se umas quantas qualidades inatas, que o povo engloba na engenhosa designação de «feitio», e uns quantos dotes adquiridos pelo estudo e pelo trabalho.
Um dia contava eu ao dr. José de Figueiredo, que Deus haja, as circunstância em que entrei para o jornalismo e que me pareciam o que em linguagem familiar se chama perfeitamente «ratonas».
Foi em Abrunhosa-a-Velha, por ocasião duma visita que fizemos à Casa de Saúde que o prof. Costa Sacadura ali criou. Passeámos no largo principal da pitoresca aldeia, deliciados com o ar puro das montanhas da Beira, discorrendo, como dois peripatéticos, de omni re scibili … et quibusdam aliis, quando Figueiredo me larga a pergunta:
- Como foi o meu amigo parar ao jornalismo?
E vai eu contei-lho. Ouviu-me ele durante largo tempo, com atenção que eu supunha apenas cortês, e comentou apenas com estas interrogações:
- Porque não escreve tudo isso? Porque não arranja as suas memórias?
Ri-me, pensando que o meu amigo brincava.
- Fa… falo a sério! – rematou ele, algo formalizado, no seu gaguejar característico.
- Hei-de pensar nisso …
E fiquei a pensar no caso. Por fim resolvi escrever as tais memórias. Elas vão, referidas um pouco avulsamente, constituir o que eu chamo «Curso de Jornalismo».
* * *
Fique estabelecido que todos temos um pouco de jornalista, tal como, segundo o ditado espanhol, todos de poeta e de louco temos um pouco. O jornalismo é muito antigo. Começou, como o direito romano da anedota, por não existir. Mas logo que Deus criou o homem e lhe deu por companheira a mulher da vera costela masculina extraída, deve o jornalismo ter nascido. É de crer …
Podemos imaginar sem grande esforço que o nosso venerável antepassado, quando se viu no meio daquele vasto e delicioso domínio, que era o Éden, se deu a explorá-lo. A curiosidade, mãe da ciência, é inata neste bípede que se chama Homem. Para não se perder por entre a vegetação frondejante daquele delicioso paraíso, Adão deixaria nos troncos e nos rochedos um sinal, um ramo quebrado, nos arbustos, que lhe indicassem o caminho de regresso à lapa, onde o primeiro casal humano se abrigava.
Assim nasceu o jornalismo. E foi jornalismo de informação. Só não se lhe pode chamar de publicidade, porque os anúncios, embora de interesse estritamente pessoal, não eram pagos…
Mais tarde, perdidos aquele sossego e ventura primevos, o homem continuou a ser jornalista. Teve que lutar com os elementos e com os animais dos primeiros milénios, monstruosos e temíveis, muito mais fortes que o desengonçado ser humano, desprovido de garras e de colmilhos, parecendo destinado a sumir-se dentro de pouco tempo, extinto pela bruteza e força do urso spelaeus ou do rinoceronte tichorhynus. Valeu-lhe a inteligência, que o fez logo jornalista.
Por aquelas cavernas, onde se acoitava a pávida família humana, começou o homem primitivo a gravar com lascas de pederneira nas rochas mais macias a história de como caçara e vencera as grandes feras, de como eram os hábitos da brutalidade agressiva e até certamente a notícia dos lugares por onde era arriscado passar isolado o débil descendente de Adão.
¿Que era isto senão jornalismo, jornalismo de informação e até jornalismo daquela política primeira, que foi a defesa animal e arriscada da vida?
* * *
Ora pois! Todos temos portanto algo de jornalistas. Quando esta tendência jornalística natural se desenvolve um pouco, basta que as circunstâncias fortuitas da vida – a necessidade ou o acaso – façam rumar nesse sentido o curso dos factos, que constituem o endentamento das actividades de cada um, para que a jornalista surja no pleno sentido da palavra.
Claro está que se requerem uns tantos predicados: certa ilustração, conhecimento sumário das coisas que o homem moderno deve saber, um pouco de bom senso, um pouco de inteligência e um pouco de amor ao trabalho. Honestidade supõe-se tão necessária nesta como em todas as profissões.
Um dia, uma senhora perguntava a Compoamor como se fazem versos. E o poeta das Dolores:
- Muito facilmente: alinham-se as palavras bem certas do lado esquerdo e na extremidade direita fazem-se calhar em rima.
- E no meio?
- Ah! No meio um bocadinho de talento …
Para ser jornalista faz-se mister ter também um tanto de cada uma das qualidades e dotes que acima se indicam. E na dose precisa. Emílio Girardin, considerado um dos pais do jornalismo como hoje se exerce, costumava dizer aos redactores e repórteres incipientes, preocupados sempre com o estilo rebuscado e literário, que resultava pretencioso e ridículo:
- Et surtout, mês amis, pás de grammaire.
Esta «gramática» era o pedantismo da linguagem, o pretenciosismo do estilo grandíloquo ou adocicado, destemperado ou inadequado aos assuntos correntes do jornalismo.
Mas esta introdução saiu-me mais extensa do que os leitores podem suportar. Por hoje não enfado mais e ficará para a semana o começo do meu curso de jornalismo, a entrada em acção duma pessoa que havia de acabar por se ajeitar gostosamente dentro duma profissão a que de princípio se julgava pouco propensa.
CORREIA MARQUES
----- «ACÇÃO» --- nº 1 – 24-4-941